Entrevista: 
  Renan Cabral Fontana
  O Olhar da Geração Digital
por 
  Laura Tuyama e Rayane Becke Cabral
  
 Ele 
  é autor de artigos sobre cidadania e sobre o uso de jogos de computador na educação, 
  entre outros assuntos. Atuou em um grupo de estudos de tecnologia na educação, 
  organizado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). É um leitor 
  voraz (seu livro de cabeceira atualmente é Guerra e Paz, de Tolstói), é 
  um membro ativo de uma imensa comunidade on-line da qual fazem parte pessoas 
  do mundo inteiro. Já morou na Inglaterra, viajou a Boston e Brasília para discutir 
  o papel dos jovens em problemas que afligem o planeta. Você pode se surpreender, 
  mas Renan tem apenas 15 anos.
Ele 
  é autor de artigos sobre cidadania e sobre o uso de jogos de computador na educação, 
  entre outros assuntos. Atuou em um grupo de estudos de tecnologia na educação, 
  organizado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). É um leitor 
  voraz (seu livro de cabeceira atualmente é Guerra e Paz, de Tolstói), é 
  um membro ativo de uma imensa comunidade on-line da qual fazem parte pessoas 
  do mundo inteiro. Já morou na Inglaterra, viajou a Boston e Brasília para discutir 
  o papel dos jovens em problemas que afligem o planeta. Você pode se surpreender, 
  mas Renan tem apenas 15 anos.
Renan faz parte da geração digital, aquela que vários autores, como Douglas Rushkoff e Don Tapscott, acreditam estar mais apta a lidar com o mundo caótico de hoje, por fazerem uso das novas tecnologias de comunicação. As idéias de Renan, que você começa a conhecer a partir de agora, pode nos ajudar a entender essa geração e também a pensar o papel dos adultos no mundo de hoje. Esta entrevista que está dividida em três partes:
P. 
  Como você soube do Summit (organizado pelo MIT que reuniu mais de 2000 crianças 
  crianças e adolescentes de mais de 180 países via internet para a discussão 
  de soluções de problemas do mundo atual)?
  R. 
  Minha 
  mãe tinha umas amigas que falaram para ela que tinha um projeto com as crianças. 
  Ela me passou o site para eu ver e eu fiquei de fazer um projeto de inscrição. 
  Acabei fazendo, eles gostaram...
P. 
  Qual era o teu projeto?
  R. 
  Era um 
  sistema de redes envolvendo teatro e direito das crianças. Mas esse projeto 
  na verdade foi só para entrar. Como a gente começou a entrar no fórum e discutir, 
  a gente praticamente esqueceu os projetos e ficamos discutindo. Isso aconteceu 
  em 1998. No final de 98 teve o encontro em Boston. O encontro fez parte do fórum. 
  O fórum foi por meses discutindo pela internet, pelas listas de discussão de 
  vários assuntos. A 
  idéia do fórum era saber o ponto de vista das crianças e as idéias das crianças 
  sobre vários assuntos: paz mundial, meio ambiente, direito das crianças. Era 
  ver como a criança via essas coisas e como pensava que a tecnologia principalmente 
  poderia vir a ajudar as crianças. E foram discutindo por vários meses os 
  tópicos, os vários assuntos, e foram debatendo e elaborando os projetos, até 
  que chegou o momento em que ia ter esse encontro com alguns representantes do 
  fórum. E aí foram eleitos 100 delegados para representar as crianças que ficaram 
  de fora. Os delegados foram para lá apresentar as idéias e discutir. 
P. 
  Como foi a organização dos grupos? Tinha a ver com regiões, países, ou com a 
  tecnologia de rede isso não tem mais a ver?
  R. 
  De certo 
  modo até. Porque tem a questão do contexto, de estar discutindo sobre o seu 
  país, de ser da mesma cultura.
P. 
  Do Brasil foram quantas pessoas além de você?
  R. 
  Foram 
  3 delegados. Tinha gente de todas as partes do mundo. E não era só gente assim, 
  digamos, com acesso. Para algumas crianças que não tinham acesso, o pessoal 
  do MIT foi instalar os computadores nos países delas. Tinha da África, da Índia...
P. 
  E como é que está hoje?
  R. 
  Olha, 
  depois de fórum eu acho que infelizmente o negócio parece que foi esfriando 
  um pouquinho, principalmente porque muitos dos que foram eram pessoas de 
  15, 16 anos e tinham que se desligar. Depois, o fórum tomava muito tempo. Chegavam 
  mais de 100 mensagens por dia. E você tinha que ficar ali horas e horas para 
  ler tudo. E daí outras pessoas foram saindo, principalmente quem não foi pra 
  lá foi perdendo um pouco o interesse. E como depois que a gente foi pra lá, 
  mudou muita coisa. A gente tinha os projetos do grupo, mas a gente acabou modificando 
  muita coisa e daí o pessoal acabou ficando meio por fora. Daí quando a gente 
  voltou, a gente até tentou voltar e tal. Mas todo mundo parece que se dispersou 
  um pouco.
P. 
  Mas acabou tudo?
  R. 
  Não. 
  Ainda tá continuando. Tem várias páginas na internet, tem projetos em andamento, 
  mas eu tou meio saindo... Mas ainda tem o jornal, por exemplo. Na verdade, não 
  era só ter idéias e debater por lá. A idéia era realmente levar esses projetos 
  adiante. Mas eu acho que pelo fato de ter sido muitos projetos, de muitas áreas, 
  e projetos até, não digo mirabolantes... Mas tinha alguns patrocidadores, bons 
  até, Citybank, Swatch... Mas não sei. Acabou saindo muito projeto, muita coisa. 
  Acho que se tivesse concentrado o esforço de todo mundo numa só ou duas, 
  tinha mais chance de levar adiante. Ficou o jornal (Junior Journal), tem 
  o projeto tipo de uma comunidade on-line que está rolando, chamada Nation One, 
  tipo uma nação virtual de crianças. E eu acho que devem estar rolando um ou 
  outro projeto. Eles tinham umas idéias para as Olimpíadas, de banco de dados... 
  
P. 
  O que é o Nation One?
  R. 
  É 
  um site e tem também uma área de discussão nele. Quem quiser pode entrar e participar. 
  A idéia seria tipo uma comunidade on-line para crianças. 
P. 
  Quanto tempo foi toda essa experiência?
  R. 
  Começou 
  no início de 98. Daí começou tipo com uma parte só para as pessoas se conhecerem 
  e estavam divididos em grupos, mais por línguas. Eu cheguei a ficar num grupo 
  com Brasil, Portugal e outros países que falam português. Ficamos mais conversando. 
  Depois foi por tópicos. Daí todo mundo se misturou. Tivemos sistemas de tradução 
  on-line, para quem tinha dificuldade com comunicação. E os tópicos eram sobre 
  temas específicos: tecnologia na educação (meu), paz mundial, meio ambiente....
P. 
  Eram vocês que escolhiam os tópicos ou alguém sugeria?
  R. 
  Na 
  verdade os temas fomos nós que propusemos a partir de uma discussão entre as 
  crianças. E lá tinha um moderador, que era um cara do MIT, e as crianças. O 
  moderador quase não tomava parte. A gente é que ia discutindo. Daí foram escolhidos 
  os delegados. 80% foram eleitos e o restante foi escolhido pelo MIT, porque 
  eles queriam que tivessem crianças de vários lugares do mundo. Daí foram três 
  do Brasil e de 53 países. Foram para Boston. A idéia era apresentar as idéias 
  que foram discutidas no fórum. Crises mundiais... Teve uma videoconferência 
  com a ONU. 
P. 
  Como é que foi lá, encontrar todo esse pessoal ao vivo?
  R. 
  O interessante é que as pessoas foram meio a rigor de seus países. Os indianos 
  foram com aquelas roupas indianas. Os árabes foram com aqueles turbantes... 
  
E não só o contato com as crianças, mas o MIT em si, aquele lugar incrível. E ver assim os principais representantes da era digital de hoje, o Negroponte, e vários outros, e também a Janet Moore. É engraçado que tem uma pessoa que eu conheço que tinha lido o livro da Janet Moore, e encontrei ela lá no MIT.
P. 
  Quando ouvi falar pela primeira vez desse encontro, a pessoa que o apresentou 
  falou que nós, de uma geração anterior a de vocês, não teríamos a capacidade 
  de lidar com os problemas complexos que existem hoje.
  R. 
  É verdade. 
  O Negroponte cita a gente como a "First Digital Generation", a Primeira Geração 
  Digital. Então, eles pegam o ponto de vista das crianças sobre esses problemas.
P. 
  Você acha possível fazer uma experiência dessa no Brasil?
  R. 
  Acho que seria. A nossa internet até que está funcionando bem. E está cheia 
  de adolescente. Tem alguns fóruns ali, fóruns de jogos... a quantidade de gente 
  que tem nesses fóruns é impressionante. 
P. 
  E os adolescentes, você acha que estão a fim de discutir?
  R. 
  É. Talvez 
  os adolescentes que estão desenvolvendo o senso crítico até tenham interesse 
  de participar, entender os problemas e ter alguma voz. 
P. 
  E o Junior Journal, como funciona?
  R. 
  Normalmente 
  eles escolhem um tema no jornal e daí todo mundo procura buscar reportagens, 
  informações para o jornal. O interessante também é que as pessoas vão para seu 
  determinado contexto. Uma vez o assunto era trabalho infantil e tinha uma guria 
  da África que trabalhava e fez uma matéria sobre isso, com fotos. 
P. 
  E você fez aquela matéria sobre jogos, crianças na guerra...
  R. 
  É. Também tinha que escrever artigos para o jornal. É edição mensal e cada mês 
  tinha um assunto. Na verdade eu não cheguei a ficar muito tempo. Só três edições. 
  
P. 
  Por quê?
  R. 
  Não sei... 
  Foram surgindo outras coisas. A escola começou a ficar um pouquinho mais difícil 
  e também eu me envolvi com outras coisas pela internet. 
Links: 
  
  Junior 
  Journal
   Web site do Renan
  
Comunidades e Jogos On-line
P. 
  E os jogos on-line, como você começou a mexer?
  R. 
  Comecei 
  com um jogo meio sem cabeça, meio sanguinário, o Quake. Você sai só andando 
  e atirando em monstro. Aí vi que tinha uma função para jogar pela internet. 
  E eu comecei a jogar na internet. Daí quando tu começa a jogar esses jogos contra 
  humanos mesmo, tu não consegue mais jogar sozinho. Não tem graça nenhuma. 
Ainda mais que foi crescendo a atividade de jogo pela internet, daí foi começando a criar clãs, associações de clãs, e confederação brasileira de clãs, organização nacional de clãs.
Daí foram crescendo os clãs e tinha brigas entre clãs, encontros entre clãs, alianças que os clãs faziam, seus códigos específicos, suas regras, política, filosofia do clã. Isso no início. É incrível como um jogo sem sentido vira até uma coisa mais interessante. Começava a jogar uniformizado, usando tática de batalha. Fora toda a comunidade on-line que aparecia para jogar o jogo.
Daí surgiu um outro jogo, o Ultima On-line. Foi outra coisa. Saiu o Quake, que era só dar tipo e não saía da internet nacional...
P. 
  Por que não?
  R. 
  Os servidores dos EUA ficavam muito lentos para poderem jogar com os brasileiros. 
  
Agora com esse novo jogo mudou tudo. É um jogo mais tipo RPG (Role Playing Game - Jogo de Interpretação de Papéis). E saía só do bang-bang e passava a ser mais interessante, com textos, conversas. Na verdade o Ultima On-line é um jogo bem mais social.
P. 
  Pra viver, né?
  R. 
  É. 
  O jogo nunca acaba, não tem objetivo e seu personagem é sempre salvo. Morre 
  e volta. Você vai conhecendo pessoas, formando guildas, que são associações, 
  grupos de jogadores que estão no jogo por algum motivo e que tem um objetivo 
  em comum dentro do contexto do jogo, por exemplo, derrotar o rei, matar,... 
  ou mesmo só jogam como amigos, comprar uma casa, um castelo;... O jogo vai sempre 
  mudando. Cada vez que você mexe numa coisa aqui outros jogadores estão vendo. 
  Se você morre, vira fantasma, vai para um templo e é ressuscitado. Tem também 
  um sistema de notoriedade, bom ou mau. Voce cai para o Death Lord ou 
  para o Glorious Lord. Essa escolha de ser bom ou mau tem conseqüências 
  no jogo. Tem vendedores (no jogo) que vão vender mais barato, até te dão mercadorias 
  se você for bom. Se for do mal, mas muito mal, pode nem entrar na cidade. Te 
  barram e você não pode entrar. 
P. 
  Como é o teu personagem?
  R. É um lenhador, que corta árvores, faz arcos...
P. 
  O que você mais gosta?
  R. Internet.
P. 
  O que mais detesta?
  R. 
  Hummm.... 
  FHC. Não gosto da política social, não gosto de nada dele...
P. 
  Quais são suas fontes de informação?
  R. 
  Folha 
  de São Paulo, meus pais.
P. 
  Rede Globo.
  R. 
  Ui!! 
  Horrível.
P. 
  Política.
  R. 
  Em geral? 
  É uma das coisas mais importantes da sociedade.
P. 
  Brasil.
  R. 
  Olha, 
  eu não sou muito patriota. Acho que a gente tem um certo potencial, mas tá difícil.
P. 
  Estados Unidos.
  R. 
  É a potência 
  da economia mundial e vem fazendo o que normalmente todas as potências mundiais 
  fazem: expandindo, impondo sua cultura, imperialismo. Nada de novo.
P. 
  Floripa.
  R. 
  Gosto 
  da cidade, e tal. Tem morro, praia. Mas pra mim, morar aqui, ir morar em São 
  Paulo, ou sei lá, em alguma cidade no Reino Unido, não tem muita diferença. 
  Não sou muito de praia, de verão. Gosto de frio.
P. 
  Ia te perguntar qual é a tua praia aqui....
  R. 
  Ah, 
  eu não sei nada de praia.
P. 
  O que você se anima a fazer?
  R. 
  Gosto 
  de coisas da internet, mexer no computador, na internet.
P. 
  O que melhora com a internet?
  R. 
  Olha, 
  eu acho que a internet até que tem um grande potencial para melhorar até 
  o mundo. Mesmo porque a TV tem influência muito grande e ela pode ser controlada 
  por órgãos. Na internet, a pessoa com acesso tem mais liberdade. Tanto é 
  que tem o web-activism (ativismo na internet) que está fazendo campanhas que 
  divulgam informações sobre as ações do governo na Europa, explicação dos países 
  da Europa sobre os de terceiro mundo.
P. 
  E a questão do acesso à Internet?
  R. 
  Esse 
  foi um ponto bem discutido no fórum. Uma maneira que a gente estava discutindo 
  era de fazer clubes, em centros comunitários, favelas. 
P. 
  O que você usa na Internet?
  R. 
  Sempre usei muito e-mail, porque sempre participei de fóruns. Depois todo 
  mundo começou a ter ICQ. Uso e-mail agora só uma vez por semana. Além do ICQ, 
  participo de um ou outro fórum em html. 
P. 
  Quais são seus autores prediletos?
  R. 
  Umberto 
  Eco e Edgar Allan Poe. Shakespeare também, mas gosto mais de ver do que ler. 
  Tem mais diálogo.
P. 
  Sobre os artigos escritos para o Junior Journal a respeito dos videogames.
  R. 
  Uma das 
  razões que eu resolvi escrever foi porque eu senti uma certa resistência com 
  os jogos por parte dos adultos e até por parte dos jovens no Summit. 
P. 
  Você sente preconceito por parte dos adultos em relação aos jogos?
  R. 
  Acho 
  que sim. Agora uma coisa que a gente lida muito é essas reportagens falando 
  da violência dos jogos. Saiu na capa da Super Interessante, saiu uma reportagem 
  grande na Folha de São Paulo, dizendo em todos os lugares que os jogos geram 
  violência. Umas reportagens que são muito idiotas, até. Eu até estou vendo muita 
  coisa na internet que chama isso de "lazy journalism", jornalismo preguiçoso. 
  Eles mostram só um lado, as informações que eles dão são muito erradas. Eu 
  conhecia muitos dos jogos que eles falavam, eu via ali as coisas mais absurdas, 
  não tinha nada a ver. 
P. 
  A tecnologia limita o contato humano?
  R. 
  Tem uma 
  coisa interessante. Nessas redes (jogos on-line que reúnem num mesmo lugar várias 
  pessoas jogando ao mesmo tempo), por exemplo, a gente poderia simplesmente ficar 
  cada um na sua casa e jogar no computador mesmo. Mas é outra coisa essas redes. 
  A gente tá se vendo, tá ali e sai gritando "pô, me matasse!". E também normalmente 
  duram dois a três dias. Então a gente traz saco de dormir e dorme no salão de 
  festas, no meio dos computadores, no meio dos cabos, prepara uns miojos, umas 
  pipocas. Tinha uma época que a gente fazia fins de semana seguidos, ou um sim 
  e um não. Agora a gente está fazendo uma vez por mês.
P. 
  Você tem namorada?
  R. 
  Não.
P. 
  Diz uma coisa: o que você tem preguiça de fazer.
  R. 
  Ir pra 
  escola.
P. 
  O que você quer fazer quando crescer?
  R. 
  Quero 
  unir literatura e computadores.