Entrevista: Pier Cesar Rivoltella*
O papel das novas tecnologias na escola

"O midia-educador é fundamentalmente um
mediador cultural entre as culturas dos meios
e as culturas dos meninos e a sua própria
também, a cultura da escola e da tradição cultural"

por Monica Fantin

O professor italiano Pier Cesare Rivoltella é considerado hoje um dos pesquisadores europeus que mais tem produzido no campo da Educação e Comunicação, sobretudo a respeito de Mídia-Educação. Professor de Tecnologie dell’ istruzione e dell’ apprendimento da Faculdade de Ciências da Formação da Universidade Católica de Milão, UNICATT, há muitos anos vem desenvolvendo suas pesquisas na perspectiva da educação sobre os meios, com os meios e através dos meios, ou seja, a partir da dimensão crítica, instrumental e produtiva da Mídia-Educação. Suas investigações situam-se num cenário de ação transdisciplinar que envolve filosofia, pedagogia, sociologia, comunicação e didática.

Embora seus livros ainda não tenham sido traduzidos no país, o professor Rivoltella demonstra um interesse particular pelo Brasil e por experiências latino-americanas. Participou de alguns eventos sobre Mídia-Educação no país - entre eles o Primeiro Congresso Internacional de Comunicação e Educação realizado em São Paulo em 1998 e o IV Summit realizado no Rio de Janeiro em 2004 -, e também é consultor de pesquisa junto a PUC-RJ.

Em plena primavera italiana e no clima descontraído e acolhedor de sua sala no Centro di Ateneo per L’ Educazione Permanente e a Distanzia, o CEPAD da Universidade Católica de Milão, Rivoltella concedeu esta entrevista ao site Ateliê da Aurora em maio de 2005. Ele falou sobre suas pesquisas atuais e destacou a dimensão colaborativa da aprendizagem com as novas tecnologias. Ressaltou a importância da mediação entre as culturas dos meios, dos estudantes, da cultura escolar e da tradição cultural e defendeu a necessidade de investir nas tecnologias na escola e na formação do educador para trabalhar na perspectiva da concepção ecológica de Mídia-Educação.

Acompanhe a entrevista.

TECNOLOGIAS E NOVAS FORMAS DE CONHECIMENTO

Contrariamente ao que se pode
pensar, as tecnologias vão aproximar
- e não afastar - professores e alunos

MF- A partir da pesquisa sobre meninos e Internet, o que muda na aprendizagem quando se trabalha com as novas mídias?
PCR- Mudam principalmente as modalidades de construção do conhecimento. Mudam porque a lógica linear de organização dos conceitos, dos dados e dos materiais vai ser substituída por uma nova lógica de organização, uma lógica mais sistêmica das relações. As relações ficam mais hiper-textuais, então é uma outra perspectiva. Muda também a relação entre o menino e o conhecimento porque trabalhar com as tecnologias precisa um envolvimento sensorial mais geral e não só do olhar ou da capacidade de ouvir, mas também a corporeidade e o uso das mãos. Então mudam pelo menos estas duas coisas.

MF- Gostaria que você esclarecesse o problema que ocorre na relação entre as novas tecnologias da comunicação em geral e a construção do conhecimento e/ou formação da consciência.
PCR- É muito difícil dizer em poucas palavras, né? Acho que são pelo menos duas as dimensões interessantes. Primeira é a diferença na organização das informações e a possibilidade - como dizem alguns críticos, por exemplo Norman e Papert -, de visualizar sobre a tela o que acontece diversamente na nossa idéia. Sobre a tela você pode trabalhar com conceitos que são objetos, uma mudança entre conceitos como realidades formais e abstratas em objetos para manipular. E a segunda dimensão muito importante é a dimensão colaborativa, mudam as atividades de construção do sentido porque há uma passagem de uma perspectiva individual de relação com as informações e o conhecimento – aquela do livro e da cultura do livro – para uma nova dimensão da colaboração, onde as relações e a possibilidade de compartilhar experiências na construção do sentido vão ser muito importantes. Acho que sejam as duas coisas mais interessantes.

MF- A velocidade e a quantidade de estímulos informativos vindos das novas mídias parece ser o oposto do tempo necessário para a capacidade reflexiva da pessoa. Esse excesso de estímulos não favorece a perda do sentido de tais informações?
PCR- Esse risco mais grave acho que seja o espaço de atuação da educação. A mediação educativa hoje é uma mediação entre a velocidade e a quantidade das informações, é a possibilidade de fazer sentido criticamente sobre as informações, já que isso não é uma coisa espontânea do sujeito, do menino, precisa a presença do educador como mediador de conhecimento.

MF- E neste sentido, qual o papel da Mídia-Educação neste contexto?
PCR- O papel da Mídia-Educação é fundamental. Fundamental no que diz respeito sobretudo em relação à mediação educativa, pois o midia-educador é fundamentalmente um mediador, um mediador cultural entre as culturas dos meios e as culturas dos meninos e a sua própria também, a cultura da escola e da tradição cultural.

MF- Já que a gente está falando de mediação, as novas tecnologias na educação estão mudando o perfil e a atuação do professor. Quais os riscos e as potencialidades desta nova forma?
PCR- As vantagens são muitas, entre elas, a maior proximidade do professor ao menino, porque contrariamente ao que se pode pensar, as tecnologias vão aproximar e não afastar.

MF- Mesmo em relação à educação à distância?
PCR- Mesmo em educação à distância, onde existe uma quantidade de emoção e afetividade muito forte e é muito importante pela aprendizagem também.
O risco é que o professor, sobretudo o professor tradicional, vai delegar completamente a gestão das novas tecnologias a outras figuras e a outros papéis porque ele não se acha em condições de poder acompanhar e atualizar as suas competências para utilizar estas tecnologias.

MF- Você acha que algumas das resistências de alguns professores podem decorrer desse risco ou dessa perda do papel do professor tradicional?
PCR- Certo, muitas resistências são a nível da necessidade de colocar em jogo o que tem aprendido e que ele sabe, e de outra parte, pelo menos aqui na Itália, tem o problema econômico, porque trabalhar com novas tecnologias implica um trabalho maior do que trabalhar sem. Quando se trabalha à distância precisa produzir os materiais, carregá-los na Internet, ter tempo para ler as mensagens dos alunos e responder também... Mesmo salário, mais trabalho... Pelo menos na Itália, não sei se no Brasil a situação é parecida. (topo)

EXPERIÊNCIA ITALIANA

As novas tecnologias podem significar o
risco de desconsiderar o cinema, a TV
e outros meios que fazem parte da
vida das crianças tanto quanto a Internet

MF- E como você avalia a situação da Mídia-Educação na Itália hoje?
PCR- A situação da Mídia-Educação na Itália é muito melhor que há 10 anos porque temos um bom número de centros de pesquisas e também de universidades que trabalham com ME e fazem pesquisas sobre ME. Tem também um bom número de experiências de educadores que trabalham com mídia em lugares diferentes. O verdadeiro problema na Itália é um problema institucional, porque o Ministério da Educação não tem ainda uma idéia precisa da necessidade da ME na escola. Este é o verdadeiro problema.

MF- Como surgiu seu interesse em pesquisar a relação Mídia e Educação, ou as crianças e os meios?
PCR- O meu interesse nasceu praticamente na Escola Primária , porque eu tinha um mestre, um professor que era cinéfilo e cine-amador e fazia vídeos, e então nós, meninos, participávamos de seus filmes, colaborávamos com a construção dos cenários, etc. Depois na Escola Media - dos padres salesianos-, tinha um professor de Educação para Imagem, que era uma disciplina de experimentação na nossa escola e que trabalhava com cinema, televisão, etc.. Praticamente quando eu escolhi a minha faculdade na universidade, escolhi filosofia com uma linha de trabalho sobre os meios. Portanto é uma vocação muito, muito antiga.

MF- Que pesquisas você está desenvolvendo atualmente?
PCR- Estou desenvolvendo muitas pesquisas, a principal provavelmente é uma pesquisa européia que se chama MidiaAppro (Mídia apropriação), sobre a apropriação dos meios. É uma pesquisa que envolve 11 paises da Europa trabalhando sobre a análise das representações da Internet nos estudantes entre 14 e 18 anos. O objetivo desta pesquisa é dar à comunidade européia algumas linhas educativas para a educação ter uma boa relação com Internet. Esta é a pesquisa principal, depois participo de outras pesquisas de avaliação da educação à distância com o Ministério da Educação na Itália e também de duas pesquisas de experimentação. A primeira é sobre os meios para a educação à distância na educação dos adultos da escola superior e a segunda é sobre a orientação dos jovens na escola superior para a escolha universitária.


MF- Você estava falando que o problema da Mídia-Educação na Itália hoje seria o reconhecimento institucional. Mas com a reforma no ensino da escola italiana, a informática, a ênfase no computador e a Internet estão tendo prioridades em relação às outras mídias. O que você pensa disso?
PCR- Isso pode ser um grande perigo porque o nosso Ministério da Educação tem uma idéia da tecnologia muito funcionalista. A idéia é que introduzindo tecnologia tudo muda e a escola vai garantir e vai dar aos meninos aquelas competências que eles precisam para se relacionar corretamente com os outros e com a vida. E aqui, podemos distinguir pelo menos dois problemas. O primeiro é este paradigma funcionalista que não é absolutamente aceitável e o segundo é que focalizar toda atenção sobre as novas tecnologias pode significar o risco de não considerar mais ao cinema, a televisão e os outros meios mais tradicionais que fazem parte da vida dos meninos tanto quanto a Internet.

MF- Neste sentido, nos seus trabalhos você costuma se referir a uma concepção ecológica de ME. Seria esta a perspectiva?
PCR- Certo, é a perspectiva ecológica que permite considerar a importância de todos os meios juntos na educação.

MF- Entre tantos projetos sobre cinema-educação na Itália, como você percebe a relação entre a experiência do Cineforum e a cultura cinematográfica na escola?
PCR- Esta experiência nasceu nos anos 50 para construir uma cultura cinematográfica na escola, depois as coisas foram mudando e não foram mais assim apropriadas. Então hoje, não tem muitas experiências de cinema e leitura na escola. Acho que o nível médio da cultura cinematográfica dos italianos não é seja um nível muito alto.

MF- Na Itália, o consumo televisivo é bastante familiar, a família assiste aos programas de televisão junto na maioria das vezes, e isso torna a família um importante agente de mediação desta relação. Percebe que em relação à Internet a família também assume esse papel?
PCR- Não, bem menos porque muitos pais não têm competências técnicas para se relacionarem com o computador e com os filhos, e o risco é que os meninos vão sozinhos na Internet. Pelo menos esta é a perspectiva que está resultando das últimas pesquisas italianas. (topo)

CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO E A ME

É preciso que as instituições, como
o Ministério de Educação, estudem
possibilidades concretas de financiar
a presença de tecnologias nas escolas

MF- Em países de grandes desigualdades sociais como o Brasil, é comum ouvirmos sobre o nascimento de outra classe, os “excluídos da tecnologia” ou o “apartheid da informática”. O que pensa disso?
PCR- É, pode ser. Você diz que a presença das tecnologias pode criar uma terceira classe...

MF- É, em função das desigualdades de oportunidades de acesso que criam a exclusão.
PCR- Para reduzir as diferenças que aumentam... Sim, é verdade. As novas tecnologias vão produzindo novas formas de distribuição do saber e nem sempre esta distribuição é coerente com aquela da riqueza. Assim pode ser que um país pobre como a Índia, por exemplo, seja também um país com alto nível de competência informática.

MF- No contexto italiano você não percebe tal exclusão?
PCR- Não, porque as diferenças econômicas e sociais aqui não são assim tão evidentes. Existem, mas as classes baixas também têm uma possibilidade de vida bastante boa.

MF- Isso vale também para os imigrantes em geral?
PCR- Não sempre, mas muitos imigrantes estão bem integrados, trabalham e ganham dinheiro...

MF- Ninguém duvida da importância da “alfabetização multimidiática” no cenário atual. Mas qual a perspectiva de trabalho com os meios na escola, em paises cuja falta investimento na educação gera uma infra-estrutura escolar muito precária? Como falar de computador, redes, Internet, produção de audiovisual, etc. num contexto em que muitas vezes nem o material escolar básico (por exemplo lápis de cor e canetinhas) é fácil conseguir? Por outro lado, sabemos que a criança convive de uma certa forma com tudo isso, pois a televisão está muito presente. Como lidar com isso sem limitar a perspectiva de um trabalho ecológico de ME quando não se tem essa estrutura?
PCR- Este é um problema bem grande. Por outro lado, acho que hoje este “ambiente medial” seja o novo ambiente da aprendizagem. Precisa que as instituições, como por exemplo, o Ministério de Educação estude possibilidades concretas de financiar a presença de tecnologias nas escolas. Acho que se pode também não pagar muito, porque as tecnologias ficam numa escala e há uma diferença muito grande entre os níveis baixos e os níveis altos. Acho que é possível equipar ou dar a uma escola tecnologias bastante boas, mas não excepcionais, sem custar muito. Precisaria investir...

MF- Embora saibamos que não é possível transpor experiências de um contexto para outro, em relação à Mídia-Educação, o que você acha que experiências na Itália e no Brasil têm para ensinar um ao outro num “possível intercâmbio”?
PCR- A Itália, provavelmente, uma reflexão conceitual e teórica que temos feito, mas muitas vezes sem experimentar. No Brasil e na América do Sul têm muitas experiências bem interessantes e têm também muitas referências teóricas bem interessantes, mas provavelmente não ainda sistematizadas. Acho que o trabalho entre as duas perspectivas poderia produzir efeitos bem interessantes no sentido da sistematização teórica e também no sentido da realização de boas práticas que podem ser atualizadas no Brasil e também na Itália. É um trabalho muito grande a fazer e muito interessante também. (topo)

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*Pier Cesare Rivoltella dirige o Master de 1º nível em Comunicação e Formação e o Curso de Especialização e Aperfeiçoamento em Mídia Education na UNICATT.
É autor de diversos livros, entre eles:
- Media Education fundamenti didattici e prospettive di ricerca. La Scuola, Brescia, 2005
- Costruttivismo e pragmática della comunicazione on line. Erickson, Gardolo, 2003
- I ragazzi del web –i preadolescenti e Internet: una ricerca. Vita e Pensiero, Milano, 2001 (confira resenha no Ateliê da Aurora)
- Teoria della Comunicazione. La Scuola, Brescia, 2001
Media Education modelli, esperienze, profilo disciplinare. Carocci, Roma, 2000